30 maio 2012

Valzhyna Mort (1981-)

Grandmother
my grandmother
doesn’t know pain
she believes that
famine is nutrition
poverty is wealth
thirst is water
her body like a grapevine winding around a walking stick
her hair bees’ wings
she swallows the sun-speckles of pills
and calls the internet the telephone to america
her heart has turned into a rose the only thing you can do
is smell it
pressing yourself to her chest
there’s nothing else you can do with it
only a rose
her arms like stork’s legs
red sticks
and i am on my knees
howling like a wolf
at the white moon of your skull
grandmother
i’m telling you it’s not pain
just the embrace of a very strong god
one with an unshaven cheek that prickles when he kisses you. 

Avó

A minha avó
não conhece a dor
ela acredita que
a fome é nutritiva
a pobreza é riqueza
a sede é água
o seu corpo como uma vinha enredada numa bengala
os seus olhos asas de abelha
ela engole os comprimidos em forma de sóis
e chama à internet o telefone para a américa
o seu coração transformou-se em rosa e a única coisa a fazer
é cheirá-la
encostando-o junto ao seu peito
não há nada mais a fazer com ele
apenas uma rosa
os seus braços como pernas de cegonha
paus vermelhos
e eu de joelhos
uivando como um lobo
à luz branca da tua caveira
avó
eu digo-te que não é dor
só o abraço de uma deus muito forte
um com barba por fazer, que arranha quando te beija.

29 maio 2012

Yalvaç Ural (1945-)

Ungrateful cat

Cats were like cats,
Dogs like dogs
And man like man.

Cats were like cats
Dogs a bit like dogs
And a bit like man,
And man was like man.

Cats were like cats
Dogs like man
And man was like
Man and like dogs.
 
The cats were worried
The dogs did not care
People were dogs
And dogs had no identity.

The cat was ungrateful
It left, just like that. 
 
Gato ingrato
 
Os gatos eram como gatos,
os cães como cães
e o homem como o homem.
 
Os gatos eram como gatos
Cães um pouco como cães
e um pouco como o homem,
e o homem como o homem.
 
Gatos eram como gatos
Cães como o homem
e o homem como cães.
 
Os gatos estavam preocupados
os cães não se preocuparam
As pessoas eram cães
e os cães não tinham identidade.
 
O gato foi ingrato
partiu, sem mais nem menos.
 
 

28 maio 2012

Dmytro Lazutkin (1978-)

something is different
toss a stone into the aquarium
the fish barely quiver
dreams don’t arrive
it’s cold to live as a reflection beneath the moon
lovingly we heal the sense of guilt

night fills the window with little blue leaves
butterflies play dead on the water . . .
to kiss drunkenly
to choke on despair
over-ripened apples pummel our heads

this moment – a melody
torn off like clothes
snatched by nervous fingers . . .
a wheel? a wing?
a coiled heap a pause for your faithful
shot into the abyss
as if it never existed 

Algo é diferente
atira uma pedra no aquário
os peixes nem se mexem
os sonhos não chegam
é difícil viver num reflexo debaixo da lua
docemente curamos o sentimento de culpa

a noite preenche a janela com pequenas folhas azuis
borboletas fazem-se de mortas na água...
beijar ebriamente
asfixiar com o desespero
maçãs maduras caem nas nossas cabeças

este momento - uma melodia
despedaçada como roupa
sonegada por nervosos dedos...
uma roda? uma asa?
uma pilha em espiral uma pausa para o teu tiro
fiel até ao abismo
como se nunca tivesse existido

27 maio 2012

Uljana Wolf (1979-)

S
still, it would be sinful, you say, not to speak of swans: six is silence, seven love, and in the end there’s a one-wing surplus. seems silly perhaps, but fairy tales save us many a swan song. so i say: consider the woodpecker’s third eyelid sliding supportively across its pupil. with its help, you can strike home any point without eyes popping from sockets. and after that first flutter of hard knocks, the silence cannot hurt you at all.

S

ainda assim, seria pecado, dizes, não falar de cisnes: seis é o silêncio, sete o amor, e no final o excedente de um asa. parece estúpido, talvez, mas os contos de fadas salvam-nos muitos cantos de cisne. então eu digo: considera a terceira pálpebra do pica-pau deslizando em suporte por toda a pupila. Com a sua ajuda, podes marcar qualquer ponto em casa sem os olhos saindo de tomadas. e depois dessa primeira vibração de batidas duras, o silêncio não pode ferir-te de todo.

25 maio 2012

Marko Vešovic (1945)

summa summarum
The leaves of the ilex by the graveyard
Whisper prophetically.

And barley-corn ripens
Like those actors who
In the same role for the hundredth time
Stand forth before the audience.

Yet do not extol,
To the skies, your native land.
It ought to extol you.

Seen from this cloud
These meadows and fields
Are a stamp album;

And to the ant a smoke ring
Twirling from your cigarette
Is a whole new landscape!

And stop threatening for once
To return next time
To this handful of land without history
Only in the shape of a rider in bronze.

And before you leave
Stroke the bark of these trees
Which al the while have given you
Free lessons in standing tall! 


Summa Summarum

As folhas do carvalho pelo cemitério
Sussurram profeticamente.

E os grão de cevada amadurecem
Como aqueles atores que
fazem o mesmo papel pela centésima vez e
estão perante a plateia.

No entanto, não glorificam,
perante o céu, a sua terra natal.
Deveriam glorificá-lo.

Visto desta nuvem,
Estes prados e campos
são álbuns de selos;

E para a formiga um anel de fumaça
saindo do teu cigarro
É uma paisagem totalmente nova!

E parem de ameaçar de uma vez
Para retornar na próxima vez
Para este punhado de terra sem história
Apenas com a forma de um piloto em bronze.

E antes de sair
afaga o tronco destas árvores
Que o tempo todo te deu
lições gratuitas de como ficar em pé!
 

24 maio 2012

Branko Čegec (1957-)

THE ETYMOLOGY OF NEARNESS
The street was empty when with a gloomy laughter
I stopped the progression of transience and mortar,
a different picture of love seeping from it.
Sleigh bells of vanity and the unarmed symmetry
were fading like new fragrances and biblical nostalgia.

At the same place I met the warmth
of her long fingers, among them,
lurking shyly, the ancient danger of arson
and that mathematically clear feeling
of similarity everyone finds so very dear.

Millions of trampled steps
on the damp and muddy sidewalk
bear witness to the only genuine past, inscribed
in the dull rock of the street, then a stereotype
shaped by every whiteness of my incidental sentence.

June 1991

A ETIMOLOGIA DA PROXIMIDADE

A rua estava vazia quando, com um resplandecente riso
interrompi a progressão da transição e da argamassa,
uma imagem diferente do amor que escoa dele.
Sinos de trenó da vaidade e da simetria desarmada
foram-se dissipando como novas fragrâncias e nostalgia bíblica.

No mesmo lugar em que conheci o calor
de seus dedos longos, entre eles,
espreitando timidamente, o perigo antigo de incêndio
e esse sentimento matematicamente claro
de semelhança que é querida a toda a gente.

Milhões de passos pesados
na calçada húmida e lamacenta
testemunhavam o único passado genuíno, inscrito
na dura pedra da rua, e em seguida um forma
estereotipada por toda a brancura da minha frase acidental.
 

Junho de 1991 

23 maio 2012

Joko Pinurbo (1962-)

Goblins
 
Words are goblins which come out in the middle of the night,
they are not saints, immune to all temptation.

When goblins gather, their bodies are covered with blood,
and the pens they sharpen will never break. 
 
Gnomos
 
As palavras são gnomos que saem no meio da noite,
não são santos, imunes a toda a tentação.

Quando os gnomos se reunem, os seus corpos estão cobertos de sangue,
e as canetas que aguçam nunca vão quebrar.

22 maio 2012

Armando Uribe (1933-)

1La muerte sola es caos.
¿Alguien ha visto un caos?
No tiene piernas, brazos.
Muerte en silla de ruedas.
Muerte, no tiene caso
ni suerte, y ruedas, ruedas.

1
A morte só é caos.
Alguém já viu um caos?
Não tem pernas, braços.
Morte em cadeira de rodas.
Morte, não tem caso
nem sorte, e rodas, rodas.

21 maio 2012

Tari Mtetwa (1982-)

Here
Here we stood waiting
the wind, the mist
the dust and I

all of us
in grave-end thoughts
anxious and afraid

at infatuation instant
the mist eloped
to the unseen

swept off its feet
the dust rumbled in matrimony
with the whirlwind’s passionate madness

still I stand here alone
lost in lone thoughts
anxious and afraid

Aqui

Aqui ficámos à espera
no vento, no nevoeiro
o pó e eu

todos nós
em pensamentos sérios
ansiosos e medrosos

no momento da paixão
o nevoeiro fugiu
até ao não-visto

arrebatados
o pó ressoou em matrimónio
com a loucura apaixonada do turbilhão

ainda fiquei aqui sozinha
perdida em pensamentos sós
ansiosos e medrosos
 

20 maio 2012

Zali Gurevitch (1949-)

POETRY IS ON THE MARGINS
On television yesterday
Rock

Tens of thousands in the audience
And where is poetry?

On the margins,
More and more

In a small hall
In Jerusalem

A few friends gather
Hardly more than a few

Poetry is on the margins
Of the margins

And I
Am on the margins of poetry

A matter of one
Or two

Sometimes
I myself am two

And even then there are no cheers
or applause

A POESIA ESTÁ NAS MARGENS

Na televisão ontem
Rock

dezenas de milhares na audiência
e onde está a poesia?

Nas margens,
cada vez mais

num pequeno corredor
em Jerusalém

Alguns amigos juntam-se
Mais do que alguns

A Poesia está nas margens
É das margens

E eu
eu estou nas margens da Poesia

Uma questão de um
ou dois

Por vezes eu próprio
sou dois

e mesmo aí
não há vivas ou aplausos

 

19 maio 2012

Geert van Istendael (1947-)

Brick
He has the angles of a bricklayer’s hand.
He gains the symmetry of honeycombs
when finding a connection with his peers.
Level. Pointed. He breathes holes,
vault and arch enlighten his insight.

He’ll take on anything, he struts it all. Dutch street,
Roman sewer, from Babylon to Gothic,
he is the callus of cities. Sometimes a thermal. 

Tijolo

Ele tem os ângulos de uma mão de um assentador de tijolos.
Ele ganha a simetria dos favos de mel
quando encontra uma conexão com os seus companheiros.
Nivelado. Pontiagudo. Ele respira buracos,
abóboda e arco iluminados pela sua perícia.

Ele suportará tudo - tudo ampara. Rua holandesa,
esgoto romano, de Babilónia aos Góticos,
ele é o calo das cidades. Por vezes térmico.

18 maio 2012

Lisel Mueller (1925-)

A day like any other

Such insignificance: a glance
at your record on the doctor's desk
or a letter not meant for you.
How could you have known? It's not true
that your life passes before you
in rapid motion, but your watch
suddenly ticks like an amplified heart,
the hands freezing against a white
that is a judgment. Otherwise nothing.
The face in the mirror is still yours.
Two men pass on the sidewalk
and do not stare at your window.
Your room is silent, the plants
locked inside their mysterious lives
as always. The queen-of-the-night
refuses to bloom, does not accept
your definition. It makes no sense,
your scanning the street for a traffic snarl,
a new crack in the pavement,
a flag at half-mast -- signs
of some disturbance in the world
because your friend, the morning sun,
has turned its dark side toward you. 

Um dia como qualquer outro

Uma insignificância: um olhar
sobre o teu registo na secretária do médico
ou para uma carta que não era para ti.
Como poderias saber? Não é verdade
que a tua vida passa à tua frente
a alta velocidade, mas o teu relógio
subitamente faz tique-taque como um coração amplificado,
as mãos geladas contra um branco
que é um julgamento. De outra forma, nada.
A cara no espelho ainda é a tua.
Dois homens passam no passeio
e não ficam a olhar a janela.
O teu quarto está quieto, as plantas
trancadas dentro das suas vidas misteriosas
como sempre. A rainha da noite
recusa florescer, não aceita 
a tua definição. Não faz sentido,
tu farejando a rua por um rosnar do trânsito,
uma nova racha no pavimento,
uma bandeira a meia-haste - sinais
de alguma agitação no mundo
porque o teu amigo, o sol da manhã,
virou o seu lado negro sobre ti.

17 maio 2012

Barbara Köhler (1959-)

POEM
 
I call myself you for thus the distance
between us is eliminated like skin
against skin we are not
to be distinguished or divided one
and the other the border is
the injury the transition
an open wound you call me
I which of the two of us says
here’s your knife
make my cut. 
 
POEMA
 
Eu intitulo-me tu para que assim a distância
entre nós seja eliminada como pele
contra pele não possamos 
ser distinguidos ou dividos um 
e outro a fronteira está
na ferida a transição
uma ferida aberta que me denominas
eu que de entre os dois diz
aqui está a tua faca
faz o meu corte.

16 maio 2012

Dunya Mikhail (1965-)

SHOEMAKER
A skillful shoemaker
throughout his life
he has pounded the nails
and smoothed the leather
for a variety of feet:
feet that depart
feet that kick
feet that plunge
feet that pursue
feet that run
feet that trample
feet that collapse
feet that jump
feet that trip
feet that are still
feet that tremble
feet that dance
feet that return . . .
Life is a handful of nails
in the hand of a shoemaker.
SAPATEIRO
 
H
ábil sapateiro
ao longo da sua vida,
ele pregou os pregos
e alisou o couro
para uma variedade de pés:
pés que se afastam
pés que chutam
pés que mergulham
pés que perseguem
pés que correm
pés que esmagam
pés que colapsam
pés que saltam
pés que viajam
pés que são ainda
pés que tremem
pés que dançam
pés que voltam. . .
A vida é um punhado de pregos
na mão de um sapateiro.

15 maio 2012

Xhevahir Spahiu (1945-)

My travels
I will saddle a cloud
to ride above my mountains,
if they want rain, I will drench them with tears.

I will saddle a horse
to feel the taste of the wind
when love is waiting for me.

I will saddle a river
to carry me to the sea,
and will bear ships on my back.

I will saddle a fruit tree
so it does not grieve without birds,
and its roots sink deeper into the earth.

I will saddle a dream
without stirrups or reins,
to carry me to tomorrow.

I will saddle a song,
its master and its slave – to sing
of movement even from the still point. 

As minhas viagens

Vou selar uma nuvem
para cavalgar acima das minhas montanhas,
se elas quiserem chuva, eu vou banhá-los com lágrimas.

Vou selar um cavalo
para sentir o sabor do vento
quando o amor estiver esperando por mim.

Vou selar um rio
para me levar para o mar,
e vou carregar navios nas costas.

Vou selar uma árvore frutífera
por isso não se enluteça sem pássaros,
e as suas raízes penetrem mais profundamente na terra.

Vou selar um sonho
sem estribos ou rédeas,
para levar-me até o amanhã.

Vou selar uma canção,
o seu mestre e o seu escravo - para cantar
sobre o movimento, mesmo de um ponto imóvel.
 

14 maio 2012

Monika Rinck (1969-)

things
 
things today are somehow lonely
things are like vases without friends
like the sideboard here with its marble
slab stood against the wall and left there.
what we want to know is: don’t things
have other things to play with?
have things been given nothing, not the
slightest thing, to hold on to?
but if we were perfectly frank,
we would have but a single question:
where have all the things gone
that are willing to shoulder our guilt?
winding thread me, spinning top you. 
 
Coisas
 
As coisas hoje são de certa forma solitárias
as coisas são como vasos sem amigos
como o aparador aqui com as suas lajes 
de mármore contra a parede e aí deixada.
O que queremos saber é: as coisas não
têm outras coisas com que brincar?
Não terão dado nada às coisas, a
menor coisa, com que pudessem contar?
Mas se fossemos perfeitamente francos,
só teríamos uma única pergunta:
onde é que todas as coisas foram
que estão dispostas a assumir a nossa culpa?
o fio que se enrola em mim, fiando em cima de ti.

13 maio 2012

Marcel Beyer (1965-)

The Fairytale Record
First it’s the goodbyes, the excursion, the label.
First it’s the morning, the squeeze of mustard
and your profile. The crackle

over lunch, and the soft cloth. What’s with
your plaid coat, the name, the dust on the sapphire
and the afternoon recording. First it’s supper,

a breather, then the fairytale record. 
A Gravação do Conto de Fadas
Primeiro são os adeus, a excursão, a etiqueta.
Primeiro é a manhã, um pouco de mostarda
e o teu perfil. O crepitar
durante o almoço, e o pano suave. O que se passa
com o teu casaco xadrez, o nome, o pó na safira
e a gravação da tarde. Primeiro é o jantar,

um respiradouro, depois a gravação do conto de fadas.

12 maio 2012

Janis Elsbergs (1969-)

I’m walking and wondering
why I leave no footprints.
I went this way yesterday.
I’ve gone this way all my life.

I won’t look back.
I’m afraid I won’t find my shadow.

‘Are you alive?’
a drunken gentleman suddenly asks me.

‘Yes, yes,’ I answer quickly.
‘Yes, yes,’ I answer
as fast as I can. 

Ando e penso
porque não deixo pegadas.
Fui por este caminho ontem.
Tenho ido por este caminho toda a vida.

Não olharei para trás.
Tenho medo que não encontre a minha sombra.

"Estás viva?"
um senhor embriagado subitamente pergunta-me.

"Sim, sim" respondo rapidamente.
"Sim, sim" respondo
tão depressa quanto posso.

11 maio 2012

Outspoken (1983-)

MY EVERYDAY PEOPLE
Everyday people in everyday hearts
In everyday places where everyday starts
With everyday struggles they meet every day
That they have to survive and overcome in every way

From my everyday people found in the middle-east
That scream for everyday freedom and everyday peace
That everyday wake up and everyday mourn
That everyday life and death of everyday war

Where everyday rebels blow up with everyday bombs
Where everyday people are everyday harmed
Where everyday broadcasts are shown everyday
But everyday people don’t ever have a say

My everyday people are everyday oppressed
And everyday pray to see the day coming next
Everyday people in everyday life
who are everyday wronged of their everyday rights ...
MY EVERYDAY PEOPLE UNITE!!!

MINHA GENTE DE TODOS OS DIAS

Minha gente de todos os dias de coração de todos os dias
em lugares de todos os dias onde cada dia começa
com lutas de todos os dias encontram-se todos os dias
E têm de sobreviver e prosperar de todas as formas

Desde a minha gente de todos os dias do Médio Oriente
que grita pela liberdade e pela paz de todos os dias
Que acorda todos os dias e todos os dias faz luto
sobre a vida e a morte de todos os dias na guerra de todos os dias

Onde rebeldes de todos os dias vão pelo ar com bombas de todos os dias
onde pessoas de todos os dias são todos os dias feridas
onde transmissões de todos os dias são mostradas todos os dias
mas a gente de todos os dias nem sempre pode ter algo a dizer

A minha gente de todos os dias é todos os dias oprimida
E todos os dias reza para ver o dia seguinte vir
gente de todos os dias numa vida de todos os dias
a quem todos os dias são retirados os seus direitos de todos os dias...
MINHA GENTE DE TODOS OS DIAS UNI-VOS!

10 maio 2012

Kamran Mir Hazar (1976-)

VIRUS WRITING
1.
Writing viruses
And electronic labyrinths
With a blackout and no computer
In a rented house, at seven thousand a month;
Kabul, the Afghan capital!
What silly poem is this?

You ask yourself, is poetry the same lonely words that wander in electronic corridors,
Cut off from their existence,
Thrown away, with no choice but to become a poem?
You watch imagination wandering through paths, over the paths,
You throw the leash at yet another word,
Trying to subdue this wild one,
And if you fail,
You stop functioning,
Like a computer crashed.

VÍRUS DE ESCREVER

1.
Escrevendo vírus
e electrónicos labirintos
com uma branca e sem computador
numa casa alugada, a sete mil por mês;
Kabul, a capital afegã!
Que poema estúpido é este?

Tu perguntas-te, será poesia as mesmas palavras solitárias que vagueam por corredores electrónicos,
fora da nossa existência,
deitados fora, sem qualquer hipótese de se tornar num poema?
Observas a imaginação a vaguear através de caminhos, acima de caminhos,
lanças a coleira a mais uma palavra ainda,
tentando subjugar mais uma palavra,
e se falhares,
páras de trabalhar,
como um computador que crashou.

09 maio 2012

Eugenio Montejo (1938 -2008)

Orfeo

Orfeo, lo que de él queda (si queda),
lo que aún puede cantar en la tierra,
a qué piedra, a cuál animal enternece?
Orfeo en la noche, en esta noche
(su lira, su grabador, su cassette);
para quién mira, ausculta las estrellas?
Orfeo, lo que en él sueña (si sueña),
la palabra de tanto destino,
quién la recibe ahora de rodillas?

Solo, con su perfil en mármol, pasa
por nuestro siglo tronchado y derruido
bajo la estatua rota de una fábula.
Viene a cantar (si canta) a nuestra puerta,
ante todas las puertas. Aquí se queda,
aquí planta su casa y paga su condena
porque nosotros somos el Inferno.
Orfeu
 
Orfeu, o que dele cai (se cai),
o que ainda pode cantar na terra,
a que pedra, que animal enternece?
Orfeu na noite, nesta noite
(a sua lira, o seu gravador, a sua cassete);
para quem olha, auscultando as estrelas?
Orfeu, o que nele sonha (se sonha),
a palavra de tanto destino,
quem a recebe agora de joelhos?

Só, com o seu perfil de mármore, passa
pelo nosso século truncado e arruinado,
debaixo da estátua partida de uma fábula.
Vem cantar (se canta) à nossa porta,
ante todas as portas. Aqui permanece,
aqui faz a sua casa e paga a sua condenação
porque nós somos o inferno.

08 maio 2012

Vlado Martek (1951-)

LAMENTING POETRY

Look, I’m protected
by the alibi of poetry,
               I’m writing a poem.
And my need for meaning
               grants me high credit
for zig-zag writing.
But no, I will not use exponents
              of collective protection
              exclamation mark, question mark, break.
I will use torment. West Balkan hardship.
Goodwill can come only from arrival:
I was combing my hair and a book arrived:
Cutting the Chaos. Elegantly
it became a part of my hairdo.
The fact is: One book, One poem,
One desired way.
I felt protection is . . . past, and
I keep emotion as a mask.

I exhausted my artistic strength. All
you could put in an ominous box
is working happiness.

POESIA DE LAMENTAR

Olha, eu estou protegido
pelo álibi da poesia,
estou a escrever um poema.
E o meu desejo por significado
concede-me um crédito elevado
por uma escrita em zigzag.
Mas não, eu não irei user exponentes
de protecção colectiva

ponto de interrogação, ponto final, espaço.
Eu irei usar o tormento. Característica técnica dos balcãs.
A boa vontade pode apenas advir da chegada:
Estava eu a pentear o cabelo e um livro chegou:
Cortando com o Caos. Elegantemente,
tornou-se uma parte do penteado.
Isto é um facto: Um livro, um poema,
um caminho desejado.
Eu senti que a protecção é...passado, e
usei a emoção como máscara.

Esgotei a minha força artística. Tudo
o que eu poderia pôr na caixa geral
é felicidade utilitária.

07 maio 2012

Girgis Shoukry (1967-)

Love
The cloud laughed with the window
then it fell,
removed its clothes:
Look,
they broke in folds upon the bed.
The bed looked after their sleep,
as the sound of  clothes came from the
wardrobe.
The walls transmit to the neighbors
the latest details
and the ceiling invites the sky to
a family gathering.
Hurry:
there’s a big laugh escaping from the wall
we must catch it or else
the whole world will burst of laughter.

Amor

A nuvem sorriu com a janela
e depois caiu,
tirou a roupa:
Olha,
eles explodiram em folhos em cima da cama.
A cama velava pelo seu sono,
como o som da roupa que vinha do 
armário.
As paredes transmitiam aos seus vizinhos
os últimos detalhes
e o tecto conidava o céu a
uma reunião familiar.
Depressa:
há uma grande gargalhada a escapar da parede
temos de a apanhar ou então
o mundo inteiro irá explodir de riso.

05 maio 2012

Karel van de Woestijne (1878–1929)

I am alone and sad, as the soft gold evening dims ...

Through the open window I hear the downy fall
of clammy flowers in a crystal bowl ...

– And I do not know if I shall love her,
in the quiet and lightsome movement of her limbs,
and in her goodness in my strange existence ...

I’m sad, and I hear her quiet footsteps going,
and her soft humming, in the garden, down below. 

Estou só e triste, enquanto a tarde de suave ouro desce...

Através da janela aberta, oiço a chuva que cai
de flores pegajosas num jarro de cristal...

- E não sei se a devo amar,
o brando e suave movimento dos seus membros,
e a sua bondade na minha estranha existência...

Estou triste e oiço os seus serenos passos,
e o seu entoar tranquilo, no jardim, lá em baixo.

04 maio 2012

George Bowering (1935-)

There is a creek

There is a creek.

And there is an underground creek
that can be located in old maps.

And there is a human body
such as that worn by Heroditus

that can measure the creek
by walking beside it.

Há um riacho

Há um riacho.

E há um riacho subterrâneo
que pode ser localizado em mapas antigos.

E há um corpo humano
como aquele que usou Heródoto

que mede o riacho
ao caminhar ao seu lado.

03 maio 2012

Yusef Komunyakaa (1947-)

Facing it

My black face fades,
hiding inside the black granite.
I said I wouldn't,
dammit: No tears. 
I'm stone. I'm flesh.
My clouded reflection eyes me
like a bird of prey, the profile of night
slanted against morning. I turn
this way--the stone lets me go.
I turn that way--I'm inside
the Vietnam Veterans Memorial
again, depending on the light
to make a difference.
I go down the 58,022 names,
half-expecting to find
my own in letters like smoke.
I touch the name Andrew Johnson;
I see the booby trap's white flash.
Names shimmer on a woman's blouse
but when she walks away
the names stay on the wall.
Brushstrokes flash, a red bird's 
wings cutting across my stare.
The sky. A plane in the sky.
A white vet's image floats
closer to me, then his pale eyes
look through mine. I'm a window.
He's lost his right arm
inside the stone. In the black mirror
a woman's trying to erase names:
No, she's brushing a boy's hair.
 
Enfrentar
 
A minha face preta dilui-se
escondendo-se dentro do granito preto.
Eu disse que não o faria,
caramba: nada de choro.
Eu sou pedra. Eu sou pele.
O meu reflexo nebuloso espia-me
como uma ave de rapina, o perfil da noite
inclinado contra a manhã. Volto-me
para aqui - a pedra deixa-me ir.
Volto-me para ali - estou dentro
do Memorial dos Veteranos do Vietname
de novo, dependendo da luz
para fazer alguma diferença.
Eu conto todos os 58022 nomes,
já esperando encontrar
o meu em letras como fumo.
Eu toco o nome Andrew Johnson;
Vejo o clarão branco da armadilha.
Os nomes brilham numa blusa de mulher
mas quando ela se vai embora
os nomes ficam na parede.
Pinceladas cintilam, as asas de um pássaro 
vermelho atravessam-me o olhar.
O céu. Um avião no céu.
A imagem de um veterano branco flutua
próxima de mim. Eu sou uma janela.
Ele perdeu o seu braço direito
dentro da pedra. No espelho negro
uma mulher tenta apagar nomes:
Não, está a acariciar os cabelos de um rapaz.
 
 

02 maio 2012

Maria Eugenia Vaz Ferreira (1875-1924)


Vaso furtivo

Por todo lo breve y frágil,
superficial, fugitivo,
por lo que no tiene bases,
argumentos ni principios;
por todo lo que es liviano,
veloz, mudable y finito;
por las volutas del humo,
por las rosas de los tirsos,
por la espuma de las olas
y las brumas del olvido...
por lo que les carga poco
a los pobres peregrinos
de esta trashumante tierra
grave y lunática, brindo
con palabras transitorias
y con vaporosos vinos
de burbujas centelleantes
en cristales quebradizos...

Copo furtivo

A tudo o que é breve e frágil,
superficial, fugitivo.
A tudo o que não tem bases,
argumentos nem princípios;
a tudo o que é leviano,
veloz, mutável e finito;
às volutas de fumo,
às rosas dos tirsos,
à espuma das ondas
e às brumas do esquecimento...
ao que lhes pesa pouco
aos pobres peregrinos
desta transumante terra
grave e lunática, brindo
com palavras transitórias
e com vaporosos vinhos
de burbulhas cintilantes
em cristais quebradiços...

01 maio 2012

Pedro Mir (1913-2000)

A capriccio

Este concierto
no ha sido copiado
de manuscrito alguno.

No ha sido extraído
de ninguna botella
descubierta en la playa.

Ni en los bolsillos
de un centinela exacto
que se quedó dormido.

Ni en las bodegas
de un galeón hundido
desde entonces.

La herencia de algún
pirata no lo ha dejado
en la arena.

Ni siquiera ha sido
escuchado en un piano
de cola todavía.

Este concierto
obedece a su propia
concreta situación
porque en esencia
todo ha sido reducido
a polvo. ¡Po1vo!

Y hay que ordenar
un toque de esperanza
al primer corneta
y al último redoblante
del batallón de
la mañana.

 A capriccio

o concerto
não foi copiado
de qualquer manuscrito.

Não foi extraído
de qualquer garrafa
descoberta na praia.

Nem nos bolsos
de uma tesa sentinela
que se deixou dormir.

Ou nos adegas
de um galeão naufragado
desde então.

A herança de nenhum
pirata fê-lo ser deixado
na areia.

Ele nem sequer foi
tocado num piano
de cauda.

 O concerto
obedece à sua própria
situação concreta
porque na sua essência
tudo foi reduzido
a pó. Pó!

E há que ordenar
um toque de esperança
à primeira corneta
e no última rufar
do batalhão da
manhã.